quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O vereador e as portagens no IC19 e IC2

Há poucos dias o vereador da Mobilidade da Câmara de Lisboa, Nunes da Silva, revelou o interesse da câmara em cobrar portagens nas vias IC19 e IC2, para entrar em Lisboa. A ideia, segundo ele, era “que todas as portagens na primeira coroa de acesso à cidade de Lisboa tivessem o mesmo valor e tivessem o valor mais alto que está hoje a ser praticado [ponte Vasco da Gama, 2,40 euros], em que o diferencial entre o valor que está contratualizado com as concessionárias e esse valor mais alto ia para um fundo de apoio aos transportes colectivos [de Lisboa]”.

Isto é tão surreal e questionável que se estranha vir da figura de um vereador municipal. Com o conforto de quem não seria sequer afectado por tal medida, eis algumas considerações:

  1. o modelo de portagens existe para compensar os concessionários dos custos que tiveram na construção e/ou com a conservação e manutenção das vias concessionadas;

  2. o vereador pretende que parte do valor das portagens sirva para financiar a rede de transportes colectivos, o que viola grosseiramente o princípio utilizador-pagador tão invocado para cobrar portagens: os utilizadores das vias rodoviárias estariam a pagar parte dos custos dos transportes colectivos sem os usar, assim como o recíproco;

  3. portanto, nuns casos alega-se o princípio utilizador-pagador para justificar portagens, por outro aplica-se o princípio solidário e redistributivo para… justificar portagens! Interessante…

  4. o princípio solidário e redistributivo faz-se através de impostos, não através de portagens ou taxas;

  5. o diferencial entre o valor mais alto e o valor contratualizado com as concessionárias seria efectivamente uma taxa de entrada em Lisboa. Não sendo especialista de direito, acho estranho a possibilidade de se cobrar uma taxa de acesso a toda uma região pública, sendo a sua única razão estar-se a fazê-lo por uma via rodoviária de grande/médio fluxo;

  6. as taxas são cobradas para um fim específico, neste caso estar-se-ia a taxar a entrada em Lisboa. Só que esta taxa variaria consoante o tal diferencial. Assim, para a mesma finalidade — entrar em Lisboa — haveria taxas diferentes a aplicar às pessoas conforme a via que usassem, o que não parece muito legal. No limite haveria quem não pagasse de todo para usufruir do mesmo “benefício”.

A isto se juntam outras “estranhezas”, como:

  1. dias antes, perante a hipótese de introdução de portagens no IC19 e CRIL pelas Estradas de Portugal, o mesmo vereador se ter manifestado contra, usando diversa argumentação;

  2. as portagens das vias referidas não serem da competência ou responsabilidade da Câmara de Lisboa;

  3. estar a haver uma enorme promiscuidade entre custos e receitas de uso de vias rodoviárias, com custos de transportes públicos, com acesso a cidades;

Está visto que nestes dias a crise vai servir de desculpa para muitas aberrações.


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