terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Precisamos de empobrecer ou embaratecer?

Quando, há uns tempos, Pedro Passos Coelho disse que o país precisava de empobrecer, uns vieram ressalvar a sua coragem em afirmá-lo, outros a estupidez. Eu estou no último grupo.

O país precisa de ficar mais barato, não de ficar mais pobre. São coisas diferentes. Infelizmente todas as medidas tomadas têm sido para tornar o país mais pobre mesmo.

Ainda antes da actual histeria da intelligentsia nacional se instalar em torno deste empobrecimento necessário, já eu reflectia que as coisas por cá ficam demasiado caras. Pagamos muito por pouco. Mas por incrível que pareça, nestes dias fica-se com a ideia que afinal os únicos custos que têm de ser reduzidos são os do trabalho (e associados). Energia? Transportes? Impostos? Nahh… Eles lá sabem!


IRS e os dependentes a mais.

Ontem soube-se que no primeiro ano em que passou a ser exigido o NIF dos dependentes nas declarações do IRS, estes diminuíram cerca de 100 mil face ao ano anterior. Enquanto a notícia circulava o mote ia-se espalhando: fraude. Milhares de pessoas ao longo dos anos declararam dependentes que não existiam para obter benefícios fiscais.

Ora para mim essa conclusão não é assim tão linear. Se em 2009 havia 2173270 e em 2010 2061882 dependentes declarados, são menos 111388 num total de pouco mais de 2 milhões, ou seja, 5%. Não me admira que estes 5% possam ser pessoas que apenas tenham sabido tardiamente que precisavam do NIF dos seus dependentes, não tendo tempo para tratar do assunto antes de fazerem a declaração. Ou ainda de pais com declarações separadas em que ambos colocavam, julgando eles legitimamente, os filhos como dependentes.

Enfim, posso estar errado sobre isto, mas parece-me que a conversa das fraudes é algo exagerada. Já o facto de ter sido inquestionavelmente apontada como a explicação da redução, sem se ter pensado noutras hipóteses possíveis, é mais inquietante: um batoteiro pensa sempre como um batoteiro.


Deixem o Cavaco em paz!

Cavaco Silva tem a mesma escola de Manuela Ferreira Leite: são pessoas em que, a uma imagem de rigor e seriedade, contrapõe uma inabilidade de expressão e comunicação. Acontece que nem a parte do rigor e seriedade são totalmente inquestionáveis, como nem os seus “azares” comunicativos são assim tão desastrosos.

A última tirada de Cavaco Silva — afirmar não saber se as suas reformas, devido aos cortes, davam para pagar as despesas, quando a maioria das pessoas vive em situação muito mais difícil — foi aproveitada para gerar um coro nacional de indignação, quando, digo eu, é facilmente perceptível aquilo a que ele se estava a referir.

Tal como a história de que estava para nascer alguém mais honesto que ele. Ou como a história da alegada suspensão da democracia, ou a de que quem tivesse mais que 70 anos devia pagar os seus tratamentos, por Manuela Ferreira Leite.

São saídas infelizes onde, todavia, se percebe qual é a mensagem transmitida, que por sua vez não tem nada de incorrecto ou condenável (concorde-se com a mesma ou não).

Estas algazarras por cada gaffe que alguém comete recorda-me aqueles miúdos, em que quando alguém se engana passa a ser alvo de chacota generalizada: “bacorada, bacorada”. Enfim, crianças!


sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Austeridade fora da lei?

Uma coisa que me tem feito alguma confusão, nesta “nova ordem” da austeridade, é a forma como se descarta a legalidade nas medidas consideradas.

A meia hora de trabalho extra é um bom exemplo: em muitos contratos de trabalho está explicitamente mencionado o horário de trabalho. Tipicamente, na gíria típica dos contratos, aparece algo do género: “O outorgante B deverá prestar os serviços nos dias úteis, das 9h00 às 18h00, nas instalações do outorgante A, com intervalo de uma hora para almoço”. Ora para se encaixar um minuto que seja de trabalho extra neste caso ter-se-ia obrigatoriamente que violar o contrato. Não sendo especialista de direito, parece uma coisa… ilegal?

Muitas outras propostas têm vindo a ser debatidas, sugeridas, ou até mesmo propostas, tendo sempre como base o facto das leis existentes serem descartáveis com tudo o que está feito nesse enquadramento legal.


O cidadão sacana.

Bem nos podemos queixar do estado sacana, que existe, mas a verdade é que também existe o comum cidadão sacana. Se todos nós o somos um pouco, ou se é apenas uma pequena percentagem como muitos advogam, não faço ideia… mas que existem existem.

image

Há dias ia à procura das embalagens grandes de Kellogs K, num normal hipermercado. Acontece que havia um sorteio que oferecia a hipótese de ganhar um conjunto de ginástica. Para isso era preciso aceder a um código no interior das embalagens. Resultado: todas tinham sido abertas para remover o código.

As embalagens pequenas, que não tinham o sorteio, estavam intactas. Levei uma dessas :)


quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A UGT ainda é um sindicato?

A UGT ainda é um sindicato de trabalhadores? É que nos últimos anos tem funcionado como salvo conduto — para obter concertação social — de qualquer medida lançada pelo governo em favor do dito “patronato”, mesmo que isso acarrete prejuízos desproporcionais aos trabalhadores.

Este comportamento atingiu o seu expoente ontem, com a assinatura por parte da UGT do acordo para a reforma laboral, que na prática coloca praticamente todo o poder da relação laboral unilateralmente nas mãos dos patrões.

É de todo pertinente questionar se esta organização ainda representa trabalhadores.


Meia hora extra de trabalho: a crónica de um fracasso anunciado.

Um dos objectivos da actual política governamental é reduzir o custo do trabalho, e uma das vias para o conseguir, como acordado com a troika1, consistia originalmente em baixar a TSU, ou seja, os montantes pagos à segurança social.

Quando se preparava para passar das intenções aos actos, começou-se a perceber que as medidas de compensação da redução da TSU, como aumento do IVA, seriam muito penalizadoras para a economia. Seria o caso típico em que a cura é pior que a doença.

Ao abandonar-se essa ideia, surge outra, como compensação: passar-se-ia a trabalhar mais meia hora diária. Fica a ideia que surgiu apressadamente, sem grande pensamento prévio, muito menos estudos, baseada em meia dúzia de contas que no papel até ficavam bem, para compensar a desistência da redução da TSU.

Só que é daquelas medidas que ninguém gosta: trabalhadores, sindicatos e até os patrões tinham dúvidas..

Os trabalhadores perderiam ainda mais tempo fora de casa por motivos profissionais, a custo zero, obrigando a rever seriamente todo o seu planeamento familiar (filhos em infantários, ATLs, actividades não laborais, etc), com eventuais custos associados.

O desemprego tenderia a aumentar ainda mais do que já está previsto2, porque menos pessoas fariam mais trabalho, caso a medida tivesse sucesso.

Do lado das empresas apenas haveria ganhos em casos muito particulares de turnos e/ou escalas, como operadores de caixas, mas na generalidade os ganhos para as empresas seriam poucos a nulos.

Finalmente, quando se descobriu que o governo não tinha qualquer estudo de impacto da medida a nível económico nem a nível de desemprego, percebeu-se que a ideia estava condenada: não se iam introduzir alterações deste calibre com base num palpite! Foi um fracasso dos teóricos e amadores, neste caso na figura do ministro da economia.


  1. FMI/CE/BCE.

  2. embora nunca no limite teórico de 1 novo desempregado por cada 16, como erradamente algumas pessoas se convenceram.


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Agências, ratings e faróis.

Os faróis foram construídos junto à costa para assinalarem aos marinheiros a presença de terra firme. Durante a noite, ou em dias de más condições atmosféricas, eram os únicos pontos de referência para quem nada conseguia ver.

As agências de rating são uma espécie de farol moderno. Um farol virtual, num universo financeiro, que funciona como referência de quem nada consegue ver por falta de informação ou por falta de confiança na informação que tem.

De facto, tendo em conta que o trabalho destas agências consiste em publicar classificações com base em informação pública, estas classificações só poderão ter valor para quem ignora as informações ou para quem, conhecendo-as, não as consegue analisar ou não confia na sua própria análise.

É esta fragilidade humana que historicamente tem dado azo às mais atrozes acções. As agências de rating são apenas um modernismo das mesmas.


quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

As propinas imparáveis.

Em 1991 o PSD, liderado por Cavaco Silva, ganhava novamente as legislativas e por nova maioria absoluta.

Os últimos anos do mandato anterior tinham sido marcados por uma enorme despesa pública, particularmente nas chamadas obras de betão, como a conclusão histórica da A1 ou a construção do Centro Cultural de Belém.

Durante a campanha, como costume, o tema impostos foi um dos principais. Cavaco Silva garantia que não os aumentaria enquanto um sincero e ingénuo Jorge Sampaio confessava que o teria de fazer, para suportar os custos do estado.

Cavaco ganhou e, também como de costume, fez o contrário do que tinha dito. Entre vários impostos “mexidos”, em que o mais visível foi a intervenção no principal escalão de IVA de 16% para 17%, houve também necessidade de se ir buscar receita por outros expedientes. Um que estava “mesmo à mão” era as propinas do ensino superior. Custavam na altura, por razões históricas, cerca de 1200 escudos, 6 euros na moeda actual, e daí até pularem para valores na ordem dos 300–400 euros foi um instante.

O valor a pagar era por escalões decididos com base nos rendimentos constantes na declaração de IRS. Havia algumas isenções, que oportunisticamente foram consideradas como bolsas: num passe de mágica o governo aumentava em dezenas de milhares o número de bolsistas, atribuindo-lhes uma bolsa virtual com o exacto valor em que tinham acabado de aumentar as propinas. Como é bom ter tantos resultados sem nada fazer.

O discurso oficial era que este aumento de receita nunca serviria para financiar o ensino superior, destinava-se apenas à acção social1.

1995. PS de Guterres ganha as eleições e abole de imediato as propinas. Não serviam. Eram injustas. Quem já pagava mais imposto em IRS, logo mais financiava o ensino superior, era quem pagava propinas. No ano seguinte eram substituídas por uma “taxa”, a pagar por todos, i.e. sem isenções por declaração de IRS, que estava indexada em valor ao salário mínimo nacional. E a garantia era dada: de ora em diante as propinas custariam tanto quando um salário mínimo nacional. Assim corresponderiam sempre a um indicador da riqueza do país.

2012. Valor das propinas fixado entre o mínimo de 630,5 e o máximo de 1036,6 euros.

Conclusão: num (estado) sacana nunca se pode confiar. As propinas são usadas para financiar o ensino superior e correspondem a 2,14 vezes o salário mínimo nacional (485 euros).


  1. embora fosse seriamente questionável serem os alunos (i.e. respectivos agregados) a suportarem os custos da “acção social”.


O mito da carteira de clientes.

Esta notícia exemplifica na perfeição o mito da carteira de clientes das empresas: as empresas não são donas dos seus clientes. Neste caso a empresa está a processar um ex-funcionário porque este deixou de trabalhar para a empresa… e os seus 17 mil seguidores do Twitter que tinha enquanto funcionário, seguiram-no para a sua nova conta pessoal.

Tenho curiosidade em saber qual será o desfecho do caso, mas uma coisa é certa: os tais 17 mil “clientes” obviamente tinham interesse nas participações do ex-funcionário, e este é livre de exercer o seu trabalho como quiser (e puder).

Lembro-me de uma empresa, há uns 13 anos, que fazia contas ao seu valor calculado a partir da sua “carteira de clientes”. O que aconteceu foi que a empresa faliu e ninguém a quis comprar: tinha muitas dívidas e pouquíssimos activos. Aquilo que julgavam ser o seu principal activo, a carteira de clientes, valia zero: quando a empresa fechou, simplesmente procuraram os mesmos serviços na concorrência… a custo zero para estes.


quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Sporting, Público e cartazes.

Nas vésperas de um Sporting-Porto, o jornal Público dava conta, com destaque de primeira página, da existência de cartazes com imagens agressivas nos acessos aos balneários no estádio Alvalade XXI.

Os do Sporting rapidamente alegaram que a notícia visava apenas criar polémica, porque os cartazes já existiam desde o início da época e até tinham sido aprovados e elogiados quer pela Liga, quer pela UEFA.

Este é um daqueles casos em que todos ficam mal na fotografia:

  • o jornal Público, a par de outros como o Jornal de Notícias, presta-se com alguma regularidade a fazer um certo jogo estranho de carácter regionalista. Têm preferências e mostram-nas, embora não o assumam.

  • De facto se os cartazes já existiam desde o início da época não se compreende que isso seja factor de notícia 4 meses depois, curiosamente dois dias antes do jogo com o Porto.

  • Por outro lado o Sporting cometeu o erro patético de tentar justificar com base em “diz-que-disse”s: quer a Liga quer a UEFA negaram terem tido conhecimento dos cartazes e, no caso da UEFA, pediu até que estes fossem removidos ou tapados nos jogos por si organizados.


domingo, 8 de janeiro de 2012

Jerónimo Martins: a hipocrisia e o exagero.

Uma parte do capital da Jerónimo Martins (JM), dona dos supermercados Pingo Doce, foi transferido para uma sua participada na Holanda.

Os “especialistas” avançaram várias hipotéticas explicações para o movimento:

  • porque a JM teria perdido um processo em Portugal contra as finanças;
  • porque na Holanda paga menos impostos;
  • porque a Holanda tem um acordo bilateral com a Colômbia, ao contrário de Portugal, o que facilita os planos de expansão do grupo JM para esse país;
  • porque na Holanda a legislação é estável e em Portugal não;
  • porque na Holanda consegue contrair crédito e em Portugal não;

Isto no meio de uma autêntica operação de diabolização do grupo JM, dos supermercados Pingo Doce e do seu líder Alexandre Soares dos Santos.

Para isto tudo, duas palavras: exagero, hipocrisia.

Exagero porque a JM é última das vinte empresas do PSI20 a transferirem capital para participadas na Holanda. Portanto, já várias outras empresas haviam recorrido ao mesmo expediente… discretamente.

Hipocrisia porque, independentemente de qual a real razão que motivou a operação, terá sido certamente para defender os interesses do grupo. Tal como qualquer outra empresa ou indivíduo faz! Não consigo compreender a “lata” de todos aqueles que acusaram a JM de anti-patriotismo, desistência de Portugal, etc e que depois, no dia a dia, vão abastecer combustível a Espanha, encomendam jogos e vídeos online da Amazon, gadgets de Hong-Kong, entre outras coisas, porque… fica mais barato!


quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O custo da A25 vs A5.

Há uns tempos o Jornal de Notícias lançava a bombástica notícia: A25 custa o triplo da ligação Lisboa-Cascais. Como os detalhes não estavam disponíveis na versão online fiquei sem saber que contas é que andaram a fazer para chegar a esses valores.

Dizem eles: «Um veículo ligeiro pagará por quilómetro 9 cêntimos. Este custo é o triplo do suportado por um ligeiro na estrada que liga Lisboa a Cascais». Ora por mais contas que faça, nunca consigo ter um custo de 3 cêntimos por quilómetro para realizar Lisboa-Cascais.

Segundo o que apurei, a tarifa “Estádio Nacional - Cascais” é de 125 cêntimos e corresponde a 16,28km, logo 7,7 cêntimos por quilómetro. Este é o troço da A5 que está concessionado e é pago. A porção “Lisboa - Estádio Nacional” não está concessionada nem é paga, pelo que nem sequer é lógico entrar no assunto. Mas ainda que fosse incluída nas contas, teríamos um custo de 125 cêntimos por 24,30km (16,28 + 8,02), o que dá 5,1 cêntimos por quilómetro.

Parece-me óbvio o intuito com que estas notícias são “plantadas” em certos tipos de meios de comunicação.


A banalidade de aplaudir de pé.

O acto de aplaudir de pé terá surgido para distinguir actuações extraordinárias ou intervenções de alto relevo, mas com o tempo tem-se tornado uma banalidade, frequente, feita por deferência, vassalagem ou mera parolice.

Assim, tanto se assiste a audiências a aplaudir de pé actuações de amadores em programas de “talentos”, como a deputados na Assembleia da República a fazê-lo após intervenções dos seus colegas de partido.

Ora vem isto a propósito duma intervenção recente de José Sócrates onde dizia que pagar as dívidas das nações [na sua totalidade] era uma brincadeira de crianças, pois essas dívidas deviam ser geridas e não pagas.

O que Sócrates disse na verdade é uma banalidade que corresponde ao conceito de “dívida rolante”. A forma patética como o disse é que foi aproveitada internamente para chicana política. Mas o que mais impressionou ainda acabou por ser a plateia aplaudi-lo de pé após este discurso.


A falta de democracia do "processo europeu".

Sempre que se critica a União Europeia surge o inevitável argumento da sua falta de legitimidade democrática: a construção europeia foi sempre feita à margem dos cidadãos.

É um argumento que, estando certo, peca pela falta de simpatia. É que nenhum aspecto estruturante do país teve participação democrática, desde o regime republicano, ao tipo de regime parlamentarista, à base política constitucional, à organização política e de poderes, etc.

Se nunca houve participação democrática na construção destes sistemas, porque haveria o processo europeu de a ter?